A Responsabilidade Científica do Futebol

human11.jpg

“…Agora, meu querido amigo, sou eu a perguntar-lhe: todos os jogadores do seu clube acreditam no treinador e naquilo que ele determina ou propõe?”


por Manuel Sérgio, via Universidade do Futebol

Já o Sporting tinha sido excluído da Champions League, por duas derrotas descomunais e o Benfica, ainda na fase de grupos, sofrera igual tratamento porque mostrou, sem margem para dúvidas, que se encontrava corroído por uma espécie de cancro de que não se conhece a origem – e eis que por causa de um erro do árbitro Lucílio Batista, na final da Taça da Liga, o mundo lisboeta do futebol rompeu em sanhudos debates, sustentando os sportinguistas que o árbitro os “roubara” propositadamente e os benfiquistas que a Taça lhes coube, em clara honradez de processos.

Entretanto, o F.C. Porto assiste do pódio de campeão, piscando um olho discreto e vencedor, à conversa azeda entre os dois principais clubes da capital, que parecem viver em clima de marasmo, derrotismo, de verdadeira confusão mental.

Com efeito, o que é a Taça da Liga? No âmbito europeu – muito pouco! No âmbito nacional, é uma prova que serve, à maravilha, para o Sporting e o Benfica esconderem a sua gritante incapacidade à conquista do Nacional de Futebol e para se afirmarem no futebol europeu.

Não ponho em causa as poucas e lúcidas páginas que justificam a Taça da Liga. O que está aí, à vista de toda a gente, é que os principais clubes, ou olham para ela com um olhar lateral e sem interesse, ou fazem o que os actuais Benfica e Sporting (e digo actuais porque já os conheci, quando escreveram páginas imorredoiras, na história do nosso futebol) parecem ser especialistas: legarem à posteridade um retrato onde se surpreendem os tiques e os ridículos de uma macrocefalia que se fez acéfala.

E, no entanto, há no Benfica e no Sporting funcionários e técnicos (incluindo os de saúde) de eloquente competência e honestidade. Uma boa parte deles conheço-os, há largos anos. Alguns muito me ensinaram, quando foram meus alunos. O que se passa então, no futebol sénior destes clubes, que se encontra confuso e envolto em sucessivos falhanços, mascarados por longas disputas e cansativas parlengas?

Read More

Como Analisar uma Equipe Campeã ?

2C3761_1.jpg

“…A análise torna-se mais ampla e desencadeia uma visão mais sistêmica das coisas, detectando fragilidades e permitindo intervenções que, na maioria das vezes, não seriam notadas.”

A cultura do campeão em nosso país traz consigo várias mazelas, quase impossíveis de serem tratadas no curto prazo. Estamos falando de um paradigma existente em nossa sociedade, que contamina a todos: torcedores, profissionais do esporte, críticos e, principalmente, a imprensa em sua maior parte.

A referência principal, é claro, passa a ser a equipe que alcançou a primeira colocação. Seus atletas e a comissão técnica passam a ser imitados e, igualmente, seus métodos de trabalho.

E a análise sobre o vencedor, que poderia ser rica e ampliada à diversos fatores, quase sempre é óbvia e unânime.

E a unanimidade não é burra, como diria Nelson Rodrigues. A unanimidade é míope… mas com certeza, nos permite enxergar exceções.

Uma equipe de jogadores bem treinados ou uma comissão técnica integrada e bem articulada são exemplos de unanimidade inteligente. Outro bom exemplo são os pedagogos do esporte, unânimes ao afirmar que o aluno (ou atleta) pode descobrir o prazer de aprender se for devidamente bem estimulado.

E quais aspectos poderiam ser analisados numa equipe que é referência por ter alcançado um título ou a primeira posição da tabela? Aspectos que permitam ir além dos números estatísticos e dos scouts técnicos do jogo e que efetivamente revele a qualidade do trabalho realizado?

Abaixo são apresentados 15 aspectos gerais de uma equipe de futebol, onde cada um é composto de parâmetros específicos e que podem ser coletados no dia-a-dia dos treinamentos e jogos. A análise de cada aspecto pode ser realizada periodicamente, de acordo com os objetivos da comissão técnica.

1. Qualidade Técnica da Equipe;

2. Condição Atlética da Equipe;

3. Padrão Tático de Jogo da Equipe;

4. Perfil Psicológico dos Atletas;

5. Coesão de Grupo – Consciência Profissional Coletiva;

6. Atitude dos Atletas nos Treinamentos;

7. Atitude dos Atletas nos Jogos;

8. Nível Geral de Performance da Equipe;

9. Índice (Ausência) de Lesões;

10. Infraestrutura de Treinamento;

11. Observação Técnico-Tática dos Adversários;

12. Política de Contratações de Atletas;

13. Relacionamento com a Imprensa (para a Direção);

14. Relacionamento com a Imprensa (Comissão Técnica e Atletas);

15. Grau de Cobrança Interna para a Qualidade.

A análise torna-se mais ampla e desencadeia uma visão mais sistêmica das coisas, detectando fragilidades e permitindo intervenções que, em sua maioria, não seriam notadas.

E muitas vezes, percebe-se que alguns aspectos são mais importantes numa conquista do que a somatória de vários outros juntos.

Quantas equipes campeãs alcançaram um nível de coesão tão grande que superou a falta de qualidade técnica de seus jogadores? Ou vice-versa?

E em quantas oportunidades a política de contratações de atletas causou impacto positivo na melhor classificação da equipe, mesmo com uma fraca infraestrutura para treinamentos? Ou vice-versa?

Essa é a beleza e a complexidade do futebol.

O Coordenador Técnico de Futebol

canivete_suico.jpg

“O Coordenador Técnico é um agente facilitador no dia-a-dia da área técnica. É o canivete suíço do treinador”

Coordenador Técnico de Futebol é a função capaz de facilitar e fazer funcionar, na forma e no conteúdo, cada aspecto do trabalho técnico esportivo de modo integrado, com uniformização de diretrizes e princípios, estimulando o desempenho e a produtividade de todos os envolvidos no complexo processo de funcionamento de um departamento de futebol, facilitando o alcance de um rendimento ótimo sustentado.

Por ser um agente facilitador entre os vários profissionais da comissão técnica – preparador físico, preparador de goleiros, assistentes técnicos, nutricionista, psicóloga, assistentes sociais, fisiologistas etc. – permite que o treinador tenha mais tempo para ficar focado na parte técnica e tática de sua equipe.

O Perfil do Coordenador Técnico

Para exercer esta função, nova e complexa, nos clubes de futebol, o Coordenador Técnico deve possuir alguns conhecimentos e qualificações especiais. Deve ter noções básicas a respeito de todas as áreas que coordena, sejam elas técnicas, de saúde ou de serviços, sem que precise ser um especialista em qualquer uma delas – “conhecer de tudo um pouco e um pouco de tudo”. Se possível, ter uma formação de nível superior, e, sobretudo, que acompanhe permanentemente os avanços constantes das técnicas e ciências esportivas e administrativas. Além disso é indispensável que este profissional tenha também liderança, capacidade de avaliar situações com ponderação e equilíbrio, objetividade, eficiência e eficácia no conjunto de suas ações e, finalmente (mas não menos importante), capacidade de comunicação e relacionamento.

Níveis de Atuação do Coordenador Técnico

Em síntese, o trabalho do Coordenador Técnico envolve, basicamente, três níveis de atuação:

1) Planejamento das atividades voltadas para o alto rendimento esportivo;
2) Controle rigoroso, individual e coletivo, desse rendimento;
3) Melhoria permanente dos processos que conduzem ao alto rendimento esportivo.

A Evolução das Comissões Técnicas no Futebol

“O técnico tem de estar livre para ficar focado 24 horas por dia na parte técnica e tática.”

A estrutura de poder do futebol atual ainda sobrecarrega o técnico, o ser ‘todo poderoso’ que, na cabeça do dirigente, da imprensa e do torcedor, tudo pode. E de quem é toda a culpa em caso de fracasso.

Não é uma coisa nem outra.

É um profissional fragilizado e que não pode ser responsabilizado sozinho – nem pelo sucesso nem pelo fracasso. Um sistema massacrante, já que é impossível que o treinador domine todas as disciplinas necessárias para o sucesso do seu trabalho.

Em 2000 e 2001, o prof. João Paulo Medina implantou no Internacional de Porto Alegre um projeto moderno, que transformou o clube e deu frutos.

Mas ainda não chegou ao limiar da comissão técnica do futuro que propõe. Uma comissão técnica onde o treinador seria substituído pela figura do ‘orientador tático’. Ele explica:

“Nos anos 50, sobressaía a figura do técnico centralizador, quase sempre um ex-jogador que acumulava até a função de preparador físico. Na década seguinte, o futebol sofreu a primeira modificação, com a introdução da preparação física, do médico acompanhando os atletas. Nos anos 70, surgiu a figura do assistente-técnico, do preparador de goleiros e foram agregados à comissão técnica dos clubes e seleções profissionais de áreas como Nutrição, Psicologia, etc. “

Esta comissão técnica multidisciplinar, no entendimento de Medina, foi um passo importante, mas gerou um problema que, hoje, é mal crônico nos clubes: a crise de liderança.

“A necessidade de compor uma comissão técnica com profissionais de diferentes áreas, se por um lado aliviou o trabalho do técnico, por outro acabou criando áreas de atrito. Na comissão técnica do futuro, cresce a importância da figura do coordenador técnico, o agente facilitador para o trabalho do técnico”, explica Medina.

Quando trabalhou com Parreira em 2001, no Internacional, Medina acumulou experiência prática suficiente para saber que este é o caminho. “A função do coordenador não é dar ordens ao técnico, que é o homem que, entre outras responsabilidades, detém a liderança e a confiança do time. Sua função é a de facilitar e fazer funcionar, na forma e no conteúdo, cada aspecto do trabalho técnico de modo integrado. Em síntese, ser o agente facilitador da busca do melhor rendimento do time. O técnico tem de estar livre para ficar focado 24 horas por dia na parte técnica e tática.”